Por Johannes G. Vos
Pergunta 140. Qual é o oitavo mandamento?
R: O oitavo mandamento é: não furtarás.
Pergunta 141: Quais são os deveres exigidos no
oitavo mandamento?
R: Os deveres exigidos no oitavo mandamento são a
verdade, a fidelidade e a justiça nos contratos e no comércio entre os homens;
dar a cada um aquilo que lhe é devido; restitui aos donos legítimos os bens
tirados deles ilicitamente; dar e emprestar gratuitamente, conforme nossos
recursos e as necessidades dos outros; moderar os nossos juízos, desejos e
sentimentos relativos aos bens mundanos; o cuidado e a busca providente para
obter, guardar, usar e dispor das coisas necessárias e convenientes à
sustentação da nossa natureza e apropriadas á nossa condição; ter um meio de
vida lícito e empenhar-se nele; a frugalidade; evitar processos judiciais,
fianças ou outras demandas semelhantes; e o esforço, por todos os meios justos
e lícitos, de procurar, preservar e aumentar a riqueza e o estado exterior,
tanto de outros quanto o nosso próprio.
Comentário:
1. Qual é o alcance geral do oitavo mandamento?
O alcance geral do oitavo mandamento é o respeito à
santidade da propriedade, da mesma sorte que o sexto impõe respeito á santidade
da vida e o sétimo, à santidade do sexo. A propriedade ou a riqueza é criada
por Deus e confiada ao homem para o seu uso na glorificação e no serviço a
Deus. É, portanto, um compromisso administrativo atribuído ao homem e por isso
tem de ser respeitado. O oitavo mandamento, portanto, requer não apenas que nos
guardemos de roubar o bem do nosso próximo, mas que conquistemos e conservemos
o nosso.
2. A Bíblia autoriza a propriedade privada?
Sim. A posse da propriedade privada, no estado
pecaminoso em que a humanidade existe desde a queda, é necessária para que uma
vida possa glorificar e gozar a Deus. A propriedade privada fundamenta-se não
na mera invenção ou costume humanos, mas na lei moral de Deus. Está
definitivamente autorizada pelo oitavo mandamento – “Não furtarás” – o qual só
fará sentido se houver por trás dele uma ordenação divina para a propriedade
privada. Mesmo fora da Bíblia, a revelação natural ensina a todos os homens que
roubar é errado. Está profundamente equivocado quem hoje pensar que a
propriedade privada é maligna. Os males que ele tem em mente procedem não da
propriedade privada em si mesma, mas dos abusos da propriedade privada.
3. À luz da Bíblia, que devemos pensar do
comunismo?
Segundo o que a Bíblia ensina, o comunismo é errado
a princípio. Não é errado meramente em alguns de seus aspectos ou práticas, ou
por causa dos abusos a ele associados, mas é errado e maligno na sua ideia
fundamental. Se pudéssemos imaginar um “perfeito” estado de comunismo, em que
não houvesse tirania, campos de concentração, policia secreta, propaganda
politica, nem censura de informações, ele ainda seria inerentemente pecaminoso
e maligno. O capitalismo viola a lei moral de Deus pelos males e abusos a ele
vinculados; o comunismo viola a lei moral de Deus por sua própria natureza e
ideia fundamental. O principio do comunismo é a posse coletiva da propriedade
imposta pelo Estado. Isso pressupõe que a posse particular do indivíduo é um
mal que só pode ser tolerado em pequena escala, como uma concessão à natureza
humana. Isso é contrário à Bíblia, que ensina que a propriedade privada é um
direito dado por Deus. O ser humano individual, como portador da imagem de
Deus, deve ter o direito à propriedade conforme o propósito de Deus e para O
glorificar plenamente na sua relação com o seu ambiente. A imagem de Deus no
homem abrange a implicação de que o homem deve ter o domínio sobre a Terra (Gn
1.27-28); mas o homem é essencialmente um indivíduo, com alma e consciência
individuais, com competência e habilidades individuais, com esperança e desejos
individuais. O comunismo procura fundir o indivíduo à massa da humanidade e
isso envolve o sacrifício do elemento essencial da personalidade do homem, como
portador individual da imagem divina e mordomo de Deus com domínio sobre uma parcela
da criação de Deus. O comunismo assume que o indivíduo existe por causa da
massa, da sociedade, mas isso é contrário a Palavra de Deus, a qual nos ensina
que a sociedade e todas as instituições sociais existem por causa do indivíduo,
para que ele possa alcançar o propósito divino da sua vida e assim glorificar a
Deus. É o indivíduo quem possui uma alma mortal, uma consciência e a capacidade
para a comunhão com Deus. Essas coisas sobreviverão a esse mundo e existem para
sempre. Elas é que dão dignidade e valor reais à vida humana. Qualquer sistema
que considere o ser humano individual como sem importância e busca amalgamá-lo
á massa supostamente pelo bem-estar da “sociedade” é fundamentalmente errado e
anticristão. Isso se aplica tanto à propriedade coletiva compulsória quanto às
outras subversões da individualidade da personalidade humana.
4. Segundo registra Atos (2.44; 4.32-27), a igreja
primitiva não praticava o comunismo?
É verdade que existia um tipo de “comunismo” na
igreja de Jerusalém, mas era totalmente diferente do comunismo que existe hoje.
Deve-se observar que (a) era voluntária e não compulsória, como mostram as
palavras de Palavras de Pedro a Ananias em Atos 5.4; 9 (b) era parcial e não
total, como demonstra o fato de que a casa de Maria, mãe de João Marcos, não
fora vendida; (c) logo surgiu uma murmuração acusatória de que as rações de
comida não estavam sendo distribuídas de modo justo (At 6.1); (d) isso foi apenas
temporário, sendo descontinuado mais tarde, provavelmente no tempo de grande
perseguição que se seguiu ao martírio de Estevão, quando os crentes se
espalharam a partir de Jerusalém (At 8.1-4); (e) não há menor indicação de que
tenha sido implantado algum “comunismo” assim em nenhuma das Igrejas
estabelecidas pelos apóstolos, além da igreja em Jerusalém. É claro, portanto,
que o “comunismo” temporário da Igreja de Jerusalém não era uma questão de
princípios, mas de contingência em face das condições peculiares àquele tempo e
lugar. É extremamente insensato, antibíblico e anti-histórico apresentar o
estado temporário das ocorrências na Igreja de Jerusalém como análogo ao
comunismo moderno, ou como um padrão a ser imitado pelos crentes em Cristo de
todos os lugares.
5. O socialismo é contrário ao cristianismo?
A palavra socialismo é usada com uma variedade tão
grande de sentidos que é difícil falar categoricamente dela sem primeiro a
definir, para sabermos precisamente o que quer dizer. O socialismo marxista,
que é raiz do comunismo moderno, é indubitavelmente contrário à religião
cristã. Embora haja uma forma limitada de socialismo que não é contrária ao
ensinamento da Palavra de Deus. O governo operar serviço postal, em vez de
deixa-lo à iniciativa de particulares ou de corporações, é uma forma de
socialismo; mas não se pode achar que seja pecaminoso o envolvimento do Estado
nesse empreendimento. Na maioria dos países do mundo as ferrovias, os serviços
telefônicos e os de comunicação são operados ou majoritariamente ou
exclusivamente pelo Estado. Podemos, ou não, achar que isso seja inteligente,
mas dificilmente conseguiremos provar que seja contrário à Bíblia; assim mesmo
faz-se necessário traçar um limite em algum ponto. Seria errado, com certeza,
que o Estado controlasse e operasse todos os negócios e comércios. A operação
de negócios pelo Estado deveria limitar-se a atividades como as do serviço
postal, que são essenciais para todos os habitantes do país e por questão de
economia requerem monopólio de alcance nacional. O Estado deve proporcionar as
condições para que os negócios privados sigam adiante, e deve regulamentá-lo em
prol da justiça, mas não deve suplantá-lo competindo contra ele. Deus instituiu
o governo civil para promover o bem das pessoas pela manutenção da justiça na
sociedade humana (Rm 13.4), e não para se firmar como um colossal
empreendimento coletivo em concorrência com os seus próprios cidadãos.
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Extraído de: Johannes G. Vos, Catecismo Maior de
Westminster Comentado (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2007), pp.
433-437.