Por Fabio Campos
Há
uma vanglória por parte de alguns a despeito da “Doutrina da Predestinação”
muito perigosa e nociva à mensagem das “Boas-Novas” em Cristo, O Salvador.
Alguns pregadores focam na “eleição”, mas esquecem da “justificação”. A
doutrina da predestinação é bíblica, e seu tema encontra-se com contundência em
várias passagens das Escrituras sem precisar de muito esforço exegético para o
entendimento (At 4.28; Rm 8.29,30; 9.11-13; Ef 1.4-6).
A
questão é como pregar e expor estes textos. Precisamos ter discernimento! Não
sabemos que são os “escolhidos” de Deus, e sem a justificação das boas novas, a
reprovação fará o ouvinte olhar para si ao invés de olhar para o Salvador.
Charles Spurgeon na sua refutação contra o hipercalvinismo disse:
“Sou calvinista, gosto do que alguém chamou
‘calvinismo glorioso’, mas ‘hiperismo’ é quente demais para o meu paladar” [1].
A
doutrina da predestinação é o baluarte do crente em meio a dificuldades e
tentações, lembrando-o constantemente que sua salvação pertence a Cristo que o
escolheu e não na da força de seu braço. Este é o contexto que ela deve ser
apresentada. Não há como pregar o evangelho por meio da predestinação sem antes
falar da graça de Deus disponível a todos os homens [sem entrar no mérito do
chamado eficaz e o chamado externo]. Para alguns pregadores a proclamação do
evangelho é unicamente o meio para juntar os eleitos de Deus. Uma pregação sem
misericórdia e desprovida da graça de salvadora de Deus-Pai.
Precisamos
ter outra abordagem para com os de fora. A ministração com a pressuposição de
que nossa pregação deve alcançar os “pecadores eleitos” se tornará tendenciosa conspirando
aos nossos conceitos e estado de “humor”.
Certa vez perguntaram para Spurgeon “como é possível oferecer aos
pecadores uma salvação que Cristo não realizou a favor deles”? Iain Murray no
seu livro “Spugeon versus hipercalvinismo”, conta que ele pôs de lado essa
questão como sendo uma coisa que Deus não quis explicar. Para ele era
suficiente saber que o próprio Cristo Se oferece a todos; que o evangelho é
para “toda criatura”, que todos os que vierem a Ele serão salvos, e que todos o
que rejeitarem estão sem escusa. Ele disse que uma proclamação universal da boa
notícia, das boas novas, com uma garantia para toda criatura, está no cerne do
seu entendimento das Escrituras. Em acréscimo à argumentação bíblica segundo a
qual os convites do evangelho não devem limitar-se aos que possuem certas
experiências, Surpegeon adicionou o argumento de que tal limitação está sujeita
a confundir almas necessitadas e a pô-las em perigo com uma forma de legalismo.
Spurgeon
disse que os homens mais penitentes são os que se consideram os mais
impenitentes. Uma exposição da predestinação sem a justificação para os
incrédulos é joga-los no inferno com a probabilidade de que Deus já tenha
reservado uma morada no céu a eles. O príncipe dos pregadores prossegue neste
argumento:
“Se começássemos a pregar
aos pecadores que eles precisam ter certo senso de pecado e certa medida de
convicção, esse ensino faria com que o pecador fugisse de Deus em Cristo para
si mesmo. O homem começaria logo a indagar: ‘Teria eu coração partido, estaria abatido’?
Essa é apenas outra forma da pessoa olhar para si mesma. O homem não deve
examinar a si mesmo para encontrar motivos para a graça de Deus” [2]
A
capacidade de crer pertence unicamente aos eleitos por revelação do Espírito de
Deus, e isto tem um tempo determinado; “há tempo para todo proposito debaixo do
sol”. Por isso, o pregador que quer chamar seus ouvintes ao imediato
arrependimento e fé, tendo isto por base para saber se o mesmo é um predestinado
ou não, estará negando tanto a depravação humana como a Soberania de Deus. Um
erro grave possa ser cometido neste contexto: “Predestinar um Judas Iscariotes
e reprovar um ladrão arrependido nos últimos minutos de sua vida”.
A
respeito da soberania de Deus e da responsabilidade humana, Spurgeon, introduziu
seu assunto com estas palavras:
“O sistema da verdade não é
uma linha reta, mas duas. Nenhum homem chegará a ter uma correta visão do
evangelho enquanto não souber ver as duas linhas ao mesmo tempo... Ora, se eu
declarasse que o homem é tão livre para agir que não há presidência nenhuma de
Deus sobre suas ações, eu seria levado para muito perto do ateísmo; e se, por
outro lado, eu declarasse que Deus governa de tal modo todas as coisas que o
homem não é livre para ser responsável, eu seria levado direto para o
antinomianismo ou para o fatalismo. Que Deus predestina e que o homem é
responsável são duas coisas que poucos conseguem enxergar. Estas verdades são
tidas como incongruentes e contraditórias; contudo não são. É defeito do nosso
fraco julgamento... é minha tontice que me leva a imaginar que duas verdades
podem, alguma vez, contradizer-se uma a outra”. [3]
A
Soberania de Deus não contradiz o seu caráter. Os homens sem ao menos entender
a “doutrina da predestinação” imaginam um Deus severo, zangado e feroz, muito
facilmente levado à ira, mas não tão facilmente induzido ao amor. O puritano
John Owen sempre aconselhava:
“Não enredemos o nosso
espírito limitando a Sua graça... Somos aptos a pensar que estamos sempre
dispostos a ter perdão, mas que Deus não Se dispõe a concedê-lo”. [4]
O
reformador João Calvino, nas últimas edições das Institutas, mudou o seu
tratamento da eleição para fazê-lo seguir-se ao ensino da justificação. Ele
dizia que quando a eleição é consequentemente introduzida como preliminar em
relação a fazer ouvir o evangelho, inevitavelmente será como se fosse designada
para limitar ou obstruir a salvação dos homens e das mulheres.
Inain Murray no
mesmo livro disse “a conclusão final só pode ser que quando o calvinismo deixa
ser evangelístico, quando se torna mais preocupado com a teoria do que com a
salvação dos homens e das mulheres, quando a aceitação de doutrinas parece
tornar-se mais importante do que a aceitação de Cristo, ele passa a ser, então,
um sistema falido e invariavelmente vai perdendo seu poder de atração” [5]
Precisamos
chorar pelos perdidos ao invés de ostentar nossa eleição a eles. O sentimento
de Cristo a vista de Jerusalém, o de Paulo para com os seus compatriotas e o de
Moisés para com o seu povo, este choro e lamento, por aqueles que vão
rejeitando a graça rumo ao inferno. A doutrina da predestinação é bíblica e uma
segurança para o crente; mas quando contemplamos pessoas que amamos fora do
aprisco do “Bom Pastor”, o desespero bate em nossa porta. Isso é um bom sinal!
Do contrário seria preocupante.
Que
Deus nos dê graça para sermos mais prudentes ao expor essa doutrina tão
preciosa dada a nós. Não sejamos inconsequentes ostentando “o saber”
atribulando aqueles que ainda não foram iluminados no seu entendimento a respeito
da sua salvação.
Fica
a frase do reformador inglês John Bradford para o nosso aprendizado:
“Que o homem vá primeiro à
escola secundária da fé e do arrependimento, antes de ir à universidade da eleição
e da predestinação” [6].
Soli
Deo Gloria!
Fabio Campos
Referência bibliográfica das citações:
[1] Spurgeon Versus Hipecalvinismo, a Batalha pela
Pregação do Evangelho; Murray, IAIN;
Ed. PES; P. 63
[2] Spurgeon Versus Hipecalvinismo, a Batalha pela
Pregação do Evangelho; Murray, IAIN;
Ed. PES; P. 94
[3] Spurgeon Versus Hipecalvinismo, a Batalha pela
Pregação do Evangelho; Murray, IAIN;
Ed. PES; P. 99
[4] Spurgeon Versus Hipecalvinismo,a Batalha pela
Pregação do Evangelho; Murray, IAIN;
Ed. PES; P. 108
[5] Spurgeon Versus Hipecalvinismo, a Batalha pela Pregação
do Evangelho; Murray, IAIN; Ed. PES;
P. 138