Prefácio
A autoridade das Escrituras
é um tema chave para a igreja cristã, tanto desta quanto de qualquer outra
época. Aqueles que professam fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador são
chamados a demonstrar a realidade de seu discipulado cristão mediante
obediência humilde e fiel à Palavra escrita de Deus. Afastar-se das Escrituras,
tanto em questões de fé quanto em questões de conduta, é deslealdade para com
nosso Mestre. Para que haja uma compreensão plena e uma confissão correta da
autoridade das Sagradas Escrituras é essencial um reconhecimento da sua total
veracidade e confiabilidade.
A Declaração a seguir afirma
sob nova forma essa inerrância das Escrituras, esclarecendo nosso entendimento
a respeito dela e advertindo contra sua negação. Estamos convencidos de que
nega-la é ignorar o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, e
rejeitar aquela submissão às reivindicações da própria palavra de Deus,
submissão esta que caracteriza a verdadeira fé cristã. Entendemos que é nosso
dever nesta hora fazer esta afirmação diante dos atuais desvios da verdade da
inerrância entre nossos irmãos em Cristo e diante do entendimento errôneo que
esta doutrina tem tido no mundo em geral.
Esta Declaração consiste de
três partes: uma Declaração Resumida, Artigos de Afirmação e Negação, e uma
Explanação. Preparou-se a Declaração durante uma consulta de três dias de
duração, realizada em Chicago, nos Estados Unidos. Aqueles que subscreveram a
Declaração Resumida e os Artigos desejam expressar suas próprias convicções
quanto à inerrância das Escrituras e estimular e desafiar uns aos outros e a
todos os cristãos a uma compreensão e entendimento cada vez maiores desta
doutrina. Reconhecemos as limitações de um documento preparado numa conferência
rápida e intensiva e não propomos que esta Declaração receba o valor de um
credo. Regozijamo-nos, no entanto, com o aprofundamento de nossas próprias
convicções através dos debates que tivemos juntos, e oramos para que esta
Declaração que assinamos seja usada para a glória de Deus com vistas a uma nova
reforma na Igreja no que tange a sua fé, vida e missão.
Apresentamos esta Declaração
não num espírito de contenda, mas de humildade e amor, o que, com a graça de
Deus, pretendemos manter em qualquer diálogo que, no futuro, surja daquilo que
dissemos. Reconhecemos (...) que muitos que negam a inerrância das Escrituras
não apresentam em suas crenças e comportamento as conseqüências dessa negação,
e estamos conscientes de que nós, que confessamos essa doutrina, freqüentemente
a negamos em nossa vida, por deixarmos de trazer nossos pensamentos e orações,
tradições e costumes, em verdadeira sujeição à Palavra divina.
Qualquer pessoa que veja
razões, à luz das Escrituras, para fazer emendas às afirmações desta Declaração
sobre as próprias Escrituras (sob cuja autoridade infalível estamos, enquanto
falamos), é convidada a fazê-lo. Não reivindicamos qualquer infalibilidade
pessoal para o testemunho que damos, e seremos gratos por qualquer ajuda que
nos possibilite fortalecer este testemunho acerca da Palavra de Deus.
A COMISSÃO DE REDAÇÃO
Uma Breve Declaração
Deus, sendo Ele Próprio a
Verdade e falando somente a verdade, inspirou as Sagradas Escrituras a fim de,
desse modo, revelar-Se à humanidade perdida, através de Jesus Cristo, como
Criador e Senhor, Redentor e Juiz. As Escrituras Sagradas são o testemunho de
Deus sobre Si mesmo.
As Escrituras Sagradas,
sendo apropria Palavra de Deus, escritas por homens preparados e supervisionados
por Seu Espírito, possuem autoridade divina infalível em todos os assuntos que
abordam: devem ser cridas, como instrução divina, em tudo o que afirmam;
obedecidas, como mandamento divino, em tudo o que determinam; aceitas, como
penhor divino, em tudo que prometem.
O Espírito Santo, seu divino
Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de Seu testemunho interior e abre
nossas mentes para compreender seu significado.
Tendo sido na sua totalidade
e verbalmente dadas por Deus, as Escrituras não possuem erro ou falha em tudo o
que ensinam, quer naquilo que afirmam a respeito dos atos de Deus na criação e
dos acontecimentos da história mundial, quer na sua própria origem literária
sob a direção de Deus, quer no testemunho que dão sobre a graça salvadora de
Deus na vida das pessoas.
A autoridade das Escrituras
fica inevitavelmente prejudicada, caso essa inerrância divina absoluta seja de
alguma forma limitada ou desconsiderada, ou caso dependa de um ponto de vista
acerca da verdade que seja contrário ao próprio ponto de vista da Bíblia; e
tais desvios provocam sérias perdas tanto para o indivíduo quanto para a
Igreja.
Artigos de Afirmação e Negação
Artigo I.
Afirmamos que as Sagradas
Escrituras devem ser recebidas como a Palavra oficial de Deus.
Negamos que a autoridade das
Escrituras provenha da Igreja, da tradição ou de qualquer outra fonte humana.
Artigo II.
Afirmamos que as Sagradas
Escrituras são a suprema norma escrita, pela qual Deus compele a consciência, e
que a autoridade da Igreja está subordinada à das Escrituras.
Negamos que os credos,
concílios ou declarações doutrinárias da Igreja tenham uma autoridade igual ou
maior do que a autoridade da Bíblia.
Artigo III.
Afirmamos que a Palavra
escrita é, em sua totalidade, revelação dada por Deus.
Negamos que a Bíblia seja um
mero testemunho a respeito da revelação, ou que somente se torne revelação
mediante encontro, ou que dependa das reações dos homens para ter validade.
Artigo IV
Afirmamos que Deus, que fez
a humanidade à Sua imagem, utilizou a linguagem como um meio de revelação.
Negamos que a linguagem
humana seja limitada pela condição de sermos criaturas, a tal ponto que se
apresente imprópria como veículo de revelação divina. Negamos ainda mais que a
corrupção, através do pecado, da cultura e linguagem humanas tenha impedido a
obra divina de inspiração.
Artigo V
Afirmamos que a revelação de
Deus dentro das Sagradas Escrituras foi progressiva.
Negamos que revelações
posteriores, que podem completar revelações mais antigas, tenham alguma vez corrigido
ou contrariado tais revelações. Negamos ainda mais que qualquer revelação
normativa tenha sido dada desde o término dos escritos do Novo Testamento.
Artigo VI
Afirmamos que a totalidade
das Escrituras e todas as suas partes, chegando às próprias palavras do
original, foram por inspiração divina.
Negamos que se possa
corretamente falar de inspiração das Escrituras, alcançando-se o todo mas não
as partes, ou algumas partes mas não o todo.
Artigo VII
Afirmamos que a inspiração
foi a obra em que Deus, por Seu Espírito, através de escritores humanos, nos
deus Sua palavra. A origem das Escrituras é divina. O modo como se deu a
inspiração permanece em grande parte um mistério para nós.
Negamos que se possa reduzir
a inspiração à capacidade intuitiva do homem, ou a qualquer tipo de níveis
superiores de consciência.
Artigo VIII
Afirmamos que Deus, em Sua
obra de inspiração, empregou as diferentes personalidades e estilos literários
dos escritores que Ele escolheu e preparou.
Negamos que Deus, ao fazer
esses escritores usarem as próprias palavras que Ele escolheu, tenha passado
por cima de suas personalidades.
Artigo IX
Afirmamos que a inspiração,
embora não outorgando onisciência, garantiu uma expressão verdadeira e
fidedigna em todas as questões sobre as quais os autores bíblicos foram levados
a falar e a escrever.
Negamos que a finitude ou a
condição caída desses escritores tenha, direta ou indiretamente, introduzido
distorção ou falsidade na Palavra de Deus.
Artigo X
Afirmamos que, estritamente
falando, a inspiração diz respeito somente ao texto autográfico das Escrituras,
o qual, pela providência de Deus, pode-se determinar com grande exatidão a
partir de manuscritos disponíveis. Afirmamos ainda mais que as cópias e
traduções das Escrituras são a Palavra de Deus na medida em que fielmente
representam o original.
Negamos que qualquer aspecto
essencial da fé cristã seja afetado pela falta dos autógrafos. Negamos ainda
mais que essa falta torne inválida ou irrelevante a afirmação da inerrância da
Bíblia.
Artigo XI
Afirmamos que as Escrituras,
tendo sido dadas por inspiração divina, são infalíveis, de modo que, longe de
nos desorientar, são verdadeiras e confiáveis em todas as questões de que
tratam.
Negamos que seja possível a
Bíblia ser, ao mesmo tempo infalível e errônea em suas afirmações.
Infalibilidade e inerrância podem ser distinguidas, mas não separadas.
Artigo XII
Afirmamos que, em sua
totalidade, as Escrituras são inerrantes, estando isentas de toda falsidade,
fraude ou engano.
Negamos que a infalibilidade
e a inerrância da Bíblia estejam limitadas a assuntos espirituais, religiosos
ou redentores, não alcançando informações de natureza histórica e científica.
Negamos ainda mais que hipóteses científicas acerca da história da terra possam
ser corretamente empregadas para desmentir o ensino das Escrituras a respeito
da criação e do dilúvio.
Artigo XIII
Afirmamos a propriedade do
uso de inerrância como um termo teológico referente à total veracidade das
Escrituras.
Negamos que seja correto
avaliar as Escrituras de acordo com padrões de verdade e erro estranhos ao uso
ou propósito da Bíblia. Negamos ainda mais que a inerrância seja contestada por
fenômenos bíblicos, tais como uma falta de precisão técnica contemporânea,
irregularidades de gramática ou ortografia, descrições da natureza feitas com
base em observação, referência a falsidades, uso de hipérbole e números
arredondados, disposição tópica do material, diferentes seleções de material em
relatos paralelos ou uso de citações livres.
Artigo XIV
Afirmamos a unidade e a
coerência interna das Escrituras.
Negamos que alegados erros e
discrepâncias que ainda não tenham sido solucionados invalidem as declarações
da Bíblia quanto à verdade.
Artigo XV
Afirmamos que a doutrina da
inerrância está alicerçada no ensino da Bíblia acerca da inspiração.
Negamos que o ensino de
Jesus acerca das Escrituras possa ser desconhecido sob o argumento de adaptação
ou de qualquer limitação natural decorrente de Sua humanidade.
Artigo XVI
Afirmamos que a doutrina da
inerrância tem sido parte integrante da fé da Igreja ao longo de sua história.
Negamos que a inerrância
seja uma doutrina inventada pelo protestantismo escolástico ou que seja uma
posição defendida como reação contra a alta crítica negativa.
Artigo XVII
Afirmamos que o Espírito
Santo dá testemunho acerca das Escrituras, assegurando aos crentes a veracidade
da Palavra de Deus escrita.
Negamos que esse testemunho
do Espírito Santo opere isoladamente das Escrituras ou em oposição a elas.
Artigo XVIII
Afirmamos que o texto das
Escrituras deve ser interpretado mediante exegese histórico-gramatical, levando
em conta suas formas e recursos literários, e que as Escrituras devem
interpretar as Escrituras.
Negamos a legitimidade de
qualquer abordagem do texto ou de busca de fontes por trás do texto que
conduzam a um revigoramento, desistorização ou minimização de seu ensino, ou a
uma rejeição de suas afirmações quanto à autoria.
Artigo XIX
Afirmamos que uma confissão
da autoridade, infalibilidade e inerrância plenas das Escrituras é vital para
uma correta compreensão da totalidade da fé cristã. Afirmamos ainda mais que
tal confissão deve conduzir a uma conformidade cada vez maior à imagem de
Cristo.
Negamos que tal confissão
seja necessária para a salvação. Contudo, negamos ainda mais que se possa
rejeitar a inerrância sem graves conseqüências, quer para o indivíduo quer para
a Igreja.
Explanação
Nossa compreensão da
doutrina da inerrância deve dar-se no contexto mais amplo dos ensinos das
Escrituras sobre si mesma. Esta explanação apresenta uma descrição do esboço da
doutrina, na qual se baseiam nossa breve declaração e os artigos.
Criação, Revelação e Inspiração
O Deus Triúno, que formou
todas as coisas por Sues proferimentos criadores e que a tudo governa pela
Palavra de Sua vontade, criou a humanidade à Sua própria imagem para uma vida
de comunhão consigo mesmo, tendo por modelo a eterna comunhão da comunicação
dentro da Divindade. Como portador da imagem de Deus, o homem deve ouvir a
Palavra de Deus dirigida a ele e reagir com a alegria de uma obediência em
adoração. Além da auto-revelação de Deus na ordem criada e na seqüência de
acontecimentos dentro dessa ordem, desde Adão os seres humanos têm recebido
mensagens verbais dEle, quer diretamente, conforme declarado nas Escrituras,
quer indiretamente na forma de parte ou totalidade das próprias Escrituras.
Quando Adão caiu, o Criador
não abandonou a humanidade ao juízo final, mas prometeu salvação e começou a
revelar-Se como Redentor numa seqüência de acontecimentos históricos
centralizados na família de Abraão e que culminam com a vida, morte,
ressurreição, atual ministério celestial e a prometida volta de Jesus Cristo.
Dentro desse arcabouço, de tempos em tempos Deus tem proferido palavras
específicas de juízo e misericórdia, promessa e mandamento, a seres humanos
pecaminosos, de modo a conduzi-los a um relacionamento, uma aliança, de
compromisso mútuo entre as duas partes, mediante o qual Ele os abençoa com dons
da graça, e eles O bendizem numa reação de adoração. Moisés, que Deus usou como
mediador para transmitir Suas palavras a Seu povo à época do êxodo, está no
início de uma longa linhagem de profetas em cujas bocas e escritos Deus colocou
Suas palavras para serem entregues a Israel. O propósito de Deus nesta sucessão
de mensagens era manter Sua aliança ao fazer com que Seu povo conhecesse Seu
Nome, isto é, Sua natureza, e tantos preceitos quanto os propósitos de Sua
vontade, quer para o presente, que para o futuro. Essa linhagem de porta-vozes
proféticos da parte de Deus culminou em Jesus Cristo, a Palavra encarnada de
Deus, sendo Ele um profeta (mais do que um profeta, mas não menos do que isso),
e nos apóstolos e profetas da primeira geração de cristãos. Quando a mensagem
final e culminante de Deus, Sua palavra ao mundo a respeito de Jesus Cristo,
foi proferida e esclarecida por aqueles que pertenciam ao círculo apostólico,
cessou a seqüência de mensagens reveladas. Daí por diante, a Igreja devia viver
e conhecer a Deus através daquilo que Ele já havia dito, e dito para todas as
épocas.
No Sinai, Deus escreveu os
termos de Sua aliança em tábuas de pedra, como Seu testemunho duradouro e para
ser permanentemente acessível, e ao longo do período de revelação profética e
apostólica levantou homens para escreverem as mensagens dadas a eles e através
deles, junto com os registros que celebravam Seu envolvimento com Seu povo,
além de reflexões éticas sobre a vida em aliança e de formas de louvor e oração
em que se pede a misericórdia da aliança. A realidade teológica da inspiração
na elaboração de documentos bíblicos corresponde à das profecias faladas:
embora as personalidades dos escritores humanos se manifestassem naquilo que
escreveram, as palavras foram divinamente dadas. Assim, aquilo que as
Escrituras dizem, Deus diz; a autoridade das Escrituras é a autoridade de Deus,
pois Ele é seu derradeiro Autor, tendo entregue as Escrituras através das
mentes e palavras dos homens escolhidos e preparados, os quais, livre e
fielmente, "falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo" (2
Pe 1.21). Deve-se reconhecer as Escrituras Sagradas como a Palavra de Deus em
virtude de sua origem divina.
Autoridade: Cristo e a Bíblia
Jesus Cristo, o Filho de
Deus, que é a Palavra (Verbo) feita carne, nosso Profeta, Sacerdote e Rei, é o
Mediador último da comunicação de Deus ao homem, como também o é de todos os
dons da graça de Deus. A revelação dada por Ele foi mais do que verbal; Ele
também revelou o Pai mediante Sua presença e Seus atos. Suas palavras, no
entanto, foram de importância crucial, pois Ele era Deus, Ele falou da parte do
Pai, e Suas palavras julgarão ao todos os homens no último dia.
Na qualidade de Messias
prometido, Jesus Cristo é o tema central das Escrituras. O Antigo Testamento
olhava para Ele no futuro; o Novo Testamento olha para trás, ao vê-lo em Sua
primeira vinda, e para frente em Sua segunda vinda. As Escrituras canônicas são
o testemunho divinamente inspirado e, portanto, normativo, a respeito de
Cristo. Deste modo, não é aceitável alguma hermenêutica em que Cristo não seja
o ponto central. Deve-se tratar as Escrituras Sagradas como aquilo que são em
essência: o testemunho do Pai a respeito do Filho encarnado.
Parece que o cânon do Antigo
Testamento já estava estabelecido à época de Jesus. Semelhantemente, o cânon do
Novo Testamento está encerrado na medida em que nenhuma nova testemunha
apostólica do Cristo histórico pode nascer agora. Nenhuma nova revelação
(distinta da compreensão que o Espírito dá acerca da revelação existente) será
dada até que Cristo volte. O cânon foi criado no princípio por inspiração
divina. A parte da Igreja foi discernir o cânon que Deus havia criado, não
elaborar o seu próprio cânon. Os critérios relevantes foram e são: autoria (ou
Sua confirmação), conteúdo e o testemunho confirmador do Espírito Santo.
A palavra cânon, que
significa regra ou padrão, é um indicador de autoridade, o que significa o
direito de governar e controlar. No cristianismo a autoridade pertence a Deus
em Sua revelação, o que significa, de um lado, Jesus Cristo, a Palavra viva, e,
de outro, as Sagradas Escrituras, a Palavra escrita. Mas a autoridade de Cristo
e das Escrituras são uma só. Como nosso Profeta, Cristo deu testemunho de que
as Escrituras não podem falhar. Como nosso Sacerdote e Rei, Ele dedicou Sua
vida terrena a cumprir a lei e os profetas, até ao ponto de morrer em
obediência às palavras da profecia messiânica. Desta forma, assim como Ele via
as Escrituras testemunhando dEle e de Sua autoridade, de igual modo, por Sua
própria submissão às Escrituras, Ele testemunhou da autoridade delas. Assim
como Ele se curvou diante da instrução de Seu Pai dada em Sua Bíblia (nosso
Antigo Testamento), de igual maneira Ele requer que Seus discípulos assim o
façam, todavia não isoladamente, mas em conjunto com o testemunho apostólico
acerca dEle, testemunho que ele passou a inspirar mediante a Sua dádiva do
Espírito Santo. Desta maneira, os cristãos revelam-se servos fiéis de seu
Senhor, por se curvarem diante da instrução divina dada nos escritos proféticos
e apostólicos que, juntos, constituem nossa Bíblia.
Ao confirmarem a autoridade
um do outro, Cristo e as Escrituras fundem-se numa única fonte de autoridade. O
Cristo biblicamente interpretado e a Bíblia centralizada em Cristo e que O
proclama são, desse ponto de vista, uma só coisa. Assim como a partir do fato
da inspiração inferimos que aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz, assim
também a partir do relacionamento revelado entre Jesus Cristo e as Escrituras
podemos igualmente declarar que aquilo que as Escrituras dizem, Cristo diz.
Infalibilidade, Inerrância, Interpretação
As Escrituras Sagradas, na
qualidade de Palavra inspirada de Deus que dá testemunho oficial acerca de
Jesus Cristo, podem ser adequadamente chamadas de infalíveis e inerrantes.
Estes termos negativos possuem especial valor, pois salvaguardam explicitamente
verdades positivas.
Semelhantemente, inerrante
significa a qualidade de estar livre de toda falsidade ou engano e, dessa
forma, salvaguarda a verdade de que as Santas Escrituras são totalmente
verídicas e fidedignas em todas as suas afirmações.
Afirmamos que as Escrituras
canônicas sempre devem ser interpretadas com base no fato de que são infalíveis
e inerrantes. No entanto, ao determinar o que o escritor ensinado por Deus está
afirmando em cada passagem, temos de dedicar a mais cuidadosa atenção às
afirmações e ao caráter do texto como sendo uma produção humana. Na inspiração
Deus utilizou a cultura e os costumes do ambiente de seus escritores, um
ambiente que Deus controla em Sua soberana providência; é interpretação errônea
imaginar algo diferente.
Assim, deve-se tratar
história como história, poesia como poesia, e hipérbole e metáfora como
hipérbole e metáfora, generalização e aproximações como aquilo que são, e assim
por diante. Também se deve observar diferenças de práticas literárias entre os
períodos bíblicos e o nosso: visto que, por exemplo, naqueles dias, narrativas
são cronológicas e citações imprecisas eram habituais e aceitáveis e não
violavam quaisquer expectativas, não devemos considerar tais coisas como falhas,
quando as encontramos nos autores bíblicos. Quando não se esperava nem se
buscava algum tipo específico de precisão absoluta, não constitui erro o fato
de ela existir. As Escrituras são inerrantes não no sentido de serem totalmente
precisas de acordo com os padrões atuais, mas no sentido de que validam suas
afirmações e atingem a medida de verdade que seus autores buscaram alcançar.
A veracidade das Escrituras
não é negada pela aparição, no texto, de irregularidades gramaticais ou
ortográficas, de descrições fenomenológicas da natureza, de relatos de
afirmações falsas (por exemplo, as mentiras de Satanás), ou as aparentes
discrepâncias entre uma passagem e outra. Não é certo jogar os chamados
fenômenos das Escrituras contra o ensino da Escritura sobre si mesma. Não se
devem ignorar aparentes incoerências. A solução delas, onde se possa
convincentemente alcança-las, estimulará nossa fé, e, onde no momento não
houver uma solução convincente disponível, significativamente daremos honra a
Deus, por confiar em Sua garantia de que Sua Palavra é verdadeira, apesar das
aparências em contrário, e por manter a confiança de que um dia se verá que
elas eram enganos.
Na medida em que toda a
Escritura é o produto de uma só mente divina, a interpretação tem de permanecer
dentro dos limites da analogia das Escrituras e abster-se de hipóteses que
visam corrigir uma passagem bíblica por meio de outra, seja em nome da
revelação progressiva ou do entendimento imperfeito por parte do escritor
inspirado.
Embora as Sagradas
Escrituras em lugar algum estejam limitadas pela cultura, no sentido de que
seus ensinos carecem de validade universal, algumas vezes estão culturalmente
condicionadas pelos hábitos e pelas idéias aceitas de um período em particular,
de modo que a aplicação de seus princípios, hoje em dia, requer um tipo
diferente de ação (por exemplo, na questão do corte de cabelo e do penteado das
mulheres, cf. 1 Co 11).
Ceticismo e Crítica
Desde a Renascença, e mais
especificamente desde o Iluminismo, têm-se desenvolvido filosofias que envolvem
o ceticismo diante das crenças cristãs básicas. É o caso do agnosticismo, que
nega que Deus seja cognoscível; do racionalismo, que nega que Ele seja
incompreensível; do idealismo, que nega que Ele seja transcendente; e do existencialismo,
que nega a racionalidade de Seus relacionamentos conosco. Quanto esses
princípios não bíblicos e antibíblicos infiltram-se nas teologias do homem a
nível das pressuposições, como freqüentemente acontecem hoje em dia, a fiel
interpretação das Sagradas Escrituras torna-se impossível.
Transmissão e Tradução
Uma vez que em nenhum lugar
Deus prometeu uma transmissão inerrante da Escritura, é necessário afirmar que
somente o texto autográfico dos documentos originais foi inspirado e manter a
necessidade da crítica textual como meio de detectar quaisquer desvios que
possam ter se infiltrado no texto durante o processo de sua transmissão. O
veredicto dessa ciência é, entretanto, que os textos hebraicos e grego parecem
estar surpreendentemente bem preservados, de modo que tempos amplo apoio para
afirmar, junto com a Confissão de Westminster, uma providência especial de Deus
nessa questão e em declarar que de modo algum a autoridade das Escrituras corre
perigo devido ao fato de que as cópias que possuímos não estão totalmente
livres de erros.
Semelhantemente, tradução
alguma é perfeita, nem pode sê-;p, e todas as traduções são um passo adicional
de distanciamento dos autographa. Porém, o veredicto da lingüística é que pelo
menos os cristãos de língua inglesa estão muitíssimo bem servidos na atualidade
com uma infinidade de traduções excelentes e não têm motivo para hesitar em
concluir que a Palavra verdadeira de Deus está ao seu alcance. Aliás, em vista
da freqüente repetição, nas Escrituras, dos principais assuntos de que elas
tratam e também em vista do constante testemunho do Espírito Santo a respeito
da Palavra e através dela, nenhuma tradução séria das Santas Escrituras chegará
a de tal forma destruir seu sentido, a ponto de tornar inviável que elas façam o
seu leitor "sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (2 Tm
3.15).
Inerrância e Autoridade
Ao confiarmos que a
autoridade das Escrituras envolve a verdade total da Bíblia, estamos
conscientemente nos posicionando ao lado de Cristo e de Seus apóstolos, aliás,
ao lado da Bíblia inteira e da principal vertente da história da igreja, desde
os primeiros dias até bem recentemente. Estamos preocupados com a maneira
casual, inadvertida e aparentemente impensada como uma crença de importância e
alcance tão vastos foi por tantas pessoas abandonada em nossos dias.
Também estamos cônscios de
que uma grande e grave confusão é resultado de parar de afirmar a total
veracidade da Bíblia, cuja autoridade as pessoas professam conhecer. O
resultado de dar esse passo é que a Bíblia que Deus entregou perde sua
autoridade e, no lugar disso, o que tem autoridade é uma Bíblia com o conteúdo
reduzido de acordo com as exigências do raciocínio crítico das pessoas, sendo
que, a partir do momento em que a pessoa deu início a essa redução, esse
conteúdo pode em princípio ser reduzido mais e mais. Isto significa que, no
fundo, a razão independente possui atualmente a autoridade, em oposição ao
ensino das Escrituras. Se isso não é visto e se, por enquanto, ainda são
sustentadas as doutrinas evangélicas fundamentais, as pessoas que negam a total
veracidade das Escrituras podem reivindicar uma identidade com os evangélicos,
ao mesmo tempo em que, metodologicamente, se afastaram da posição evangélica
acerca do conhecimento para um subjetivismo instável, e não acharão difícil ir
ainda mais longe.
Afirmamos que aquilo que as
Escrituras dizem, Deus diz. Que Ele seja glorificado. Amém e amém.
_____
Retirado do apêndice do livro O ALICERCE DA AUTORIDADE BÍBLICA
Retirado do apêndice do livro O ALICERCE DA AUTORIDADE BÍBLICA
James
Montgomery Boice
Páginas
183 a 196
Editado
por: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova
Edição:
1989; Reimpressão: 1997.
Artigo extraído do site “monergismo".